O SEBO NO DIVÃ DO ANALISTA Se eu tenho uma compulsão é por comprar livros, especialmente, em sebos. Preciso me controlar, não consigo conter o ímpeto. Acabei de comprar mais um hoje. Um título polêmico, biografia que foi retirada do mercado por ação da família do biografado, um dos maiores nomes da literatura brasileira. Por isso, está fora dos catálogos das livrarias, censura... censura... censura!
É claro que recorri a um sebo e não deu outra. Encontrei o título, livro ainda novinho em folha, sem trocadilhos. Não tão em conta como costumam ser os livros nessa modalidade de comércio, porém, podendo até ser considerado um livro raro já que está impedido de ser comercializado. Ao fim, acabou saindo barato. Não ouso citar o título agora, quero tê-lo em mãos primeiramente, depois volto a comentar.
Por isso, amo os sebos, tenho fixação por eles. Propiciam-nos encontrar obras, verdadeiros achados, edições esgotadas, puro luxo. Fico extasiada quando consigo um livro com anotações e dedicatórias. É como se estivesse fazendo uma viagem no tempo, como se violasse a privacidade de alguém sem, contudo, cometer alguma impropriedade, já que o livro está relegado a mãos públicas. Ler as anotações de uma pessoa num momento tão íntimo quanto é o da leitura é quase erótico. Descobrimos coisas que ninguém mais além dele leitor poderia saber: seus pensamentos, seu olhar sobre aquele romance ou suas reflexões sobre um texto analítico... suas anotações. É mesmo muito excitante e somente um livro de segunda, terceira mão, já passado por várias outras pode propiciar. Ele é enriquecido pelas vezes que foi possuído, guarda a memória de seus leitores. Sem falar nas dedicatórias.
Um escritor de meu relacionamento pessoal quis resgatar um livro seu de crônicas por não possuir nenhum como lembrança e cuja edição havia se esgotado há muito. Quis fazer-lhe uma surpresa e busquei no sebo. Encontrei dois exemplares e de brinde, eles estavam com dedicatória. Foi impressionante que esse escritor lembrou-se de uma das pessoas, de um dos livros. Esse primeiro era um antigo amigo da UBE, União Brasileira dos Escritores, não tinha notícias dele há mais de 25 anos. Foi um reencontro, ainda que nas letras manuscritas, momento emocionante. O outro era um político outrora conhecido, hoje no ostracismo. O engraçado é que mesmo se tratando de uma pessoa pública - não citarei seu nome embora todos ou quase todos possam se lembrar dela e exumá-la da memória -, o escritor disse-me não lembrar da presença desse tal ser político na noite de autógrafo do seu livro.
Ah, como o tempo é sábio, acaba por sepultar as inutilidades mesmo que um dia tenha estado em voga, mas nunca apaga por completo um momento especial em que estivemos com uma pessoa querida. Por isso, não vou procurar apoio psicológico para me livrar dessa obsessão por comprar livros em sebo. Ao contrário, continuarei a sofrer desses impulsos incontroláveis e irei delirar toda vez que, ao abrir minha porta, encontrar na soleira, como correspondência do correio, uma embalagem de papelão ondulado ou de papel craft, charmosamente estampada por carimbos e selos de postagem, embalando mais um livro, preciosamente ensebado.
Só mais uma coisa, seria muito egoísmo de minha parte não declinar aos freqüentadores desse Blog onde descarrego os meus surtos psicóticos por esses livros de vida mundana. Alguém, há exatos três anos teve a grande idéia de reunir na NET livreiros virtuais, sebos, bancas e leitores numa espécie de cooperativa chamada www.estantevirtual.com.br. Já consegui delícias da literatura nacional e estrangeira nesse portal, só para citar os últimos: “Flores das Flores do Mal”, de Baudelaire, por Guilherme de Almeida e introdução de Manuel Bandeira, que é puro deleite; “Uma defesa da Poesia e outros ensaios”, de Percy Byshe Shelley e mais um vai, o objeto do desejo de quem não vive sem respirar poesia, “O Arco e a Lira”, em português de Portugal, de Octavio Paz.
- Diga-me quantos livros por mês você compra num sebo e eu direi quem você é!
(Patrícia Cicarelli)
2 comentários:
Ah, se toda obsessão fosse por uma boa leitura! ;-)
Que delícia seria...
Greice, obrigada pela visita.
bjs
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